José Saramago por extenso

31.10.06 at 10:14 da manhã

Memórias de Saramago

Aqui continua o texto de Ana Dias Ferreira: "[...]Na Feira do Livro de Frankfurt, que dita as tendências literárias internacionais, foram a grande aposta do ano passado, juntamente com as biografias. E em Portugal?
"Temos alguns títulos de género memorialístico, embora noutros países haja muito mais", diz Zeferino Coelho, editor da Caminho e coleccionador deste tipo de livros - tem mais de 800, datados. "Desde que começámos a escrever sobre nós." "Costumo dar o exemplo de Inglaterra, onde não há inglês que se preze que não escreva as suas próprias memórias", continua. "Aqui não é tanto assim, mas agora estão a aparecer muitas coisas." Estamos a mudar?
Como em tudo, há um antes e um depois. Nas memórias, haverá um antes "Bilhete de Identidade" de Maria Filomena Mónica e um depois. Lançado em Novembro do ano passado pela Alêtheia, o livro foi escrito pela socióloga (doutorada em Oxford) à boa maneira inglesa - vivo, directo, com nomes em vez de iniciais, sem esconder nada - e já vendeu mais de 35 mil exemplares. A editora conta chegar aos 40 mil antes do Natal. Um caso de sucesso num género que então estava bastante adormecido, e que, apesar de ter gerado uma enorme discussão acerca da exposição da intimidade (juntamente com outro livro lançado então pela Dom Quixote, "D"Este Viver aqui Neste Papel Descripto - Cartas da Guerra", a compilação dos aerogramas que António Lobo Antunes enviou à mulher enquanto esteve na guerra colonial), pode explicar, em parte, a moda das memórias e das autobiografias. E a maior abertura a livros em que se abandonam mitos e tabus.

Novidades
Se há uma moda, tem de haver várias novidades. E há. Acabadas de sair temos as "Quase Memórias" de Almeida Santos (Casa das Letras/Círculo de Leitores), mil páginas repartidas por dois volumes que recuam 30 anos, até ao período da descolonização e cuja primeira edição (Casa das Letras), do primeiro volume, esgotou em 15 dias; "A História de Deus Comigo", do padre António Vaz Pinto (uma nova aposta da Alêtheia que parte com uma primeira edição de 7500 exemplares); "Na Estrada", do jornalista Homero Serpa (Caminho); "Memórias de Um Guerrilheiro", de Alcides Sakala, um dos dirigentes da UNITA (Dom Quixote), "Fotopoesia", de Isabel Ruth (uma espécie de fotobiografia escrita pela própria actriz em poemas, da Guerra & Paz) e "Memórias de Um Rústico Erudito", de Raul Miguel Rosado Fernandes (Cotovia).
Por lançar já no próximo mês estão "As Pequenas Memórias", de Saramago, e "Livro do Meio - Romance Epistolar" (também da Caminho), escrito entre Maria Velho da Costa e Armando Silva Carvalho sob a forma de cartas e que junta uma escrita diarística e evocativa, com as memórias da infância de cada escritor. Um livro que promete bastante frontalidade e, como tal, algumas reacções (ver texto ao lado). Ainda em Novembro, José António Saraiva vai publicar, pela Oficina do Livro, o seu segundo livro de memórias, "Confissões - Os Últimos Anos no Expresso, o Nascer do Sol e Conversas à Mesa com Políticos" (o primeiro chamava-se "Confissões de Um Director de Jornal"). A Cotovia vai lançar, já em Dezembro, as memórias de Jorge Silva Melo, "Século Passado" e, também nessa altura, Carlos Castro vai editar a sua autobiografia, "Solidão Povoada".
Ainda por confirmar, há interesse das Edições Asa em publicar para o ano o livro autobiográfico da cantora Mísia (sai agora em França pela editora Gawsewitch Editions), constituído por uma série de entrevistas realizadas pelo jornalista francês Hervé Pons ao longo das quais a fadista percorre a sua vida e faz um conjunto de confissões e que deverá chamar-se "Fados e Pecados, Seis Entrevistas Parisienses". A Âmbar está também a preparar, para o próximo ano, a edição de um livro de memórias de "alguém que esteve no centro de acontecimentos políticos e que decidiu contar a sua experiência, sem esconder o nome de todos os intervenientes". É tudo o que pode desvendar, para já, Nélson de Matos, responsável da editora.
A Alêtheia vai publicar ainda o livro de Santana Lopes sobre a sua passagem por São Bento, um título que Zita Seabra, editora, distingue de um livro de memórias - "É muito usual na tradição anglo-saxónica ter um político que foi primeiro-ministro a escrever sobre aquilo que fez no seu mandato" -, mas que promete alguma agitação. Santana Lopes substituiu Durão Barroso, quando este foi convidado para presidente da Comissão Europeia e não terminou o mandato por dissolução do Parlamento pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, quatro meses depois de ter chegado a São Bento.
Para Manuel Alberto Valente, editor e director-geral da Asa, este é porventura um fenómeno de natureza editorial: os editores procuram quem publique memórias ou são mais receptivos quando as recebem, por entenderem que o público as quer ler. "Nos últimos anos houve uma grande alteração da vida editorial", explica. "Há dez ou 20 anos, o centro da vida editorial era o autor, e procurava-se publicar um Hemingway, um Camus, um Joyce", continua. "Hoje o centro já não é o autor, é o leitor. O editor pergunta-se "O que é que o leitor quer ler?" E a questão das memórias e das autobiografias pode passar por aí."
Talvez por isso as editoras que apostam neste género não dizem quem gostariam que publicasse memórias. E, apesar de revelarem que a maioria das memórias publicadas parte da vontade dos autores, há certamente alguma pressão da sua parte no processo. Adivinham-se assim, no futuro, mais novidades. A Alêtheia, a Casa das Letras e a Oficina do Livro são, a este respeito, editoras a ter em atenção.

Um género com tradição "intermitente"
Uma espécie de "tradição intermitente", que não é muito marcada mas também não se pode dizer que não existe, é o balanço possível quando falamos das memórias escritas em português. Segundo os editores, é um erro dizer que não tínhamos uma tradição de memórias até hoje, tendo boas memórias que datam do século XVIII e XIX, "como as do marquês do Lavradio, da condessa de Rio Maior (em cartas) ou as de Raul Brandão" (já no século XX), recorda Carlos da Veiga Ferreira, da Teorema. Mas também não podemos dizer que é uma tradição forte, que as pessoas identifiquem. E é fácil constatar que, desde há uns anos, caíra em desuso. Essa variação é explicável, considera Zeferino Coelho. Segundo o editor da Caminho, a escrita de livros memorialísticos concentra-se em períodos específicos: "Pelas coisas que tenho, surge-me esta reflexão: quando há períodos em que há um cataclismo social qualquer, a seguir proliferam as memórias." Exemplos: o grande terramoto de Lisboa (1755); as invasões francesas seguidas da revolução liberal de 1820 e da guerra civil; a implantação da República (1910); o 25 de Abril. "Dá ideia que estas convulsões sociais abalam as pessoas de tal forma que elas têm necessidade de se explicar a si próprias, de se explicar aos outros, de dizerem que estiveram lá."
Não será só o 25 de Abril a explicar a nova onda de memórias e autobiografias, embora a riqueza dos anos 70 ajude a justificar que uma geração hoje com sessentas e oitentas tenha tanto para contar. Para Alexandre Manuel, da Casa das Letras, há outras causas: "A multiplicação dos protagonistas, designadamente no campo político e social, e o fim de vários mitos e tabus. Além, claro está, dos exemplos que nos chegam de fora: está na moda o memorialismo."
Do lado do autor há a necessidade de contar, fixar e partilhar a sua história. Ou dar a sua versão, o seu testemunho, no caso de acontecimentos políticos marcantes, como faz Almeida Santos nas suas "Quase Memórias", a propósito da descolonização. Do lado do leitor, o voyeurismo, o querer espreitar a vida de alguém. Mas não só. Há também o interesse de ter acesso a um documento real, supostamente factual e que faz o retrato de uma época através de um sujeito. Ou ainda o procurar exemplos, vendo como determinada personalidade guiou a sua vida ou se desembaraçou das adversidades.
"Os diários permitem mais esse voyeurismo, porque, em princípio, são mais verdadeiros e revelam mais a alma de quem escreve", observa Zeferino Coelho. "Mas as memórias, mesmo quando são fabricadas para dar uma certa imagem, quando são bem lidas revelam muito acerca das pessoas."
E o que tem de ter um livro de memórias para ser considerado bom? "Tem de contar uma vida rica", diz Zita Seabra. Isso é consensual. Não basta ser uma anotação do que se fez no dia, uma espécie de "acordei", "saí", "fui", "vi", "disse" "voltei". Isso não interessa, a "historinha", como lhe chamava Alexandre O"Neill. Um bom livro de memórias tem de ser mais profundo. Honesto. Transparente. Sério.
"Tem que ser verdadeiro, ou pelo menos verídico, mas também amplo e aberto", diz Zeferino Coelho. "Umas memórias interessantes são aquelas em que o autor consegue mostrar-se, expor-se, mas com uma amplitude suficiente para que nós o vejamos no meio dos outros, vejamos tudo o resto à sua volta e possamos ter, em relação ao livro, uma capacidade de crítica. Porque tudo se pode contar. Depende é da maneira como se conta."
É curioso que, num género que é necessariamente egocêntrico, seja tão sublinhada a importância do outro, do leitor. "Necessariamente, é um livro que escreve memórias pessoais", considera Manuel Alberto Valente. "Mas se nelas transparecer uma reflexão sobre o mundo, sobre livros, sobre arte, sobre a vida, sobre a essência do ser humano que possa interessar ao outro, aí sim, as memórias são boas."
Hoje, é fácil constatar que parte do sucesso de umas memórias (para lá, obviamente, da importância do autor) está nas revelações. Basta pensar nas de Günter Grass, lançadas em Setembro, onde o Nobel da Literatura de 1999 confessa ter-se alistado nas Waffen-SS aos 17 anos. Certamente não só por isso, mas muito por isso, a autobiografia vendeu mais de 200 mil exemplares na Alemanha no espaço de um mês. O livro, intitulado "Descascando a Cebola", vai ser publicado para o ano em Portugal, na Casa das Letras.

Contar "agora ou nunca"
Para recordar, é preciso que haja um passado, e é uma característica das memórias serem escritas num momento distante dos acontecimentos que se estão a contar - por exemplo, escrever em 2006 o que aconteceu em 1965 (e até antes), como faz o padre António Vaz Pinto na sua "História de Deus Comigo". Ao mesmo tempo, há também da parte de alguns autores a intuição de que, tendo uma história para partilhar, têm de o fazer agora, com perigo de não terem outra oportunidade no futuro. Como José Saramago, que revelou em entrevista ao "El País" que a vontade de escrever as memórias da sua infância o acompanhava há mais de 20 anos e era "agora ou nunca".
Para lá de permitir uma maior segurança e serenidade, ao ponto de se poder falar de interditos, a distância é uma condição essencial do próprio acto da escrita memorialística. É preciso "digerir" os acontecimentos. "Tem de haver uma certa consolidação para que seja possível dizer "foi assim"", aponta Zeferino Coelho. "A história precisa de correr, nos seus traços essenciais, para ser possível contá-la. Quando está a decorrer, é possível vivê-la, mas não é possível contá-la."
O tempo, afinal, não traz só consolidação. À coragem, que já é mais ou menos inata, junta-se a morte de pessoas que poderiam ficar melindradas com algumas revelações e uma maior base de poder, que se foi reunindo ao longo da vida. "A partir de uma determinada idade, as pessoas sentem que já não têm nada a perder, e portanto estão completamente à vontade para dizer aquilo que lhes apetecer", afirma Manuel Valente. Já não têm nada a provar.
Um ano corrido, Maria Filomena Mónica ainda recebe reacções ao seu "Bilhete de Identidade". Boas e más, sinal de que quem lê as suas memórias não lhes consegue ficar indiferente. E uma prova de que, afinal, tinha razão em ter medo de as publicar. "Comecei a escrever porque me apeteceu, sem pensar para que é que aquilo ia servir", recorda. "Como lia muitas memórias, a partir de certa altura perguntei-me: "Mas por que é que eu não hei-de publicar o que estou a escrever? Se tivesse nascido nos Estados Unidos ou em Inglaterra, tenho a certeza que publicava, e só por ter nascido em Portugal é que tenho receio?" Receio? "Por serem muito intimistas", diz. Hoje, sabe que também por ser mulher, e isso só percebeu depois. "Mulheres da minha geração falarem dos maridos e dos namorados dum ponto de vista afectivo-sexual era tabu", comenta a investigadora do Instituto de Ciências Sociais, que nunca pensou que isso originasse uma divisão na forma de entender o livro. "Os homens lêem com um olhar perverso-picante, as mulheres de todo." Muitas, de várias idades e classes sociais, ainda se lhe dirigem para dizer: "Eu também sinto (ou já senti) isto.""
Necessariamente narcisista - porque todas as memórias o são -, "Bilhete de Identidade" acaba por funcionar também como um retrato do Portugal salazarista e de uma família católica. Mas ao falar tão abertamente de sexo, religião, adultério e classe social, e ao envolver pessoas vivas sem qualquer censura, é um livro sem consensos - amado ou odiado. Para Filomena Mónica foi "libertador", embora nunca tenha sido escrito com esse propósito. Por decisão pessoal, pára em 1976, aos 33 anos da socióloga. Quem espera um segundo volume terá de continuar a esperar. Para já, a investigadora não diz que não, mas quer voltar a dedicar-se à vida académica e "deixar passar o tempo". Vê-se pelas vendas que ainda não deixou de ser o tempo deste "Bilhete de Identidade".
Fica, pelo menos, uma lição: publicando um livro de memórias correm-se riscos. Não publicando há uma certeza: há muito de uma vida que se perde.


Novas Memórias

Regresso à infância de Saramago
Saramago confessou que era sua vontade escrever as memórias de infância desde há 20 anos, e era "agora ou nunca". A 16 de Novembro, quando completa 84 anos, é apresentado na aldeia natal de Azinhaga o resultado dessa vontade. São 150 páginas de evocação, onde revela o que foi a vida do rapaz (dos quatro aos 15 anos) que, aos 75, se tornaria Prémio Nobel da Literatura. Numa entrevista ao jornal espanhol "El País", o escritor falou sobre "As Pequenas Memórias", dizendo por que as escreveu: "Queria que os leitores soubessem de onde saiu o homem que sou." O livro acabaria por se revelar doloroso, uma vez que obrigou o escritor a voltar a "recordações familiares que não são agradáveis" e a "coisas que uma criança não devia ter visto".
Sem seguir uma ordem cronológica, como desvenda o seu editor, Zeferino Coelho, da Caminho, "As Pequenas Memórias" vão percorrendo recordações à medida que elas vão surgindo para o escritor. Nelas se contam vários episódios, como, por exemplo, o de uma caminhada com o tio desde a aldeia ribatejana até à feira de Santarém, a paragem numa quinta, as sensações de uma pernoita num estábulo. "Páginas muito belas sobre sentimentos básicos nossos", diz Zeferino Coelho.

"O Livro do Meio": sinceridade a duas mãos
Não é um livro de memórias, não é um diário, mas o subtítulo - "Romance Epistolar" - também não diz tudo. O "Livro do Meio" nasceu de vários encontros entre Maria Velho da Costa e Armando Silva Carvalho, dois escritores cúmplices que resolveram falar de si e do mundo actual através de cartas. Escritas entre Fevereiro e Julho deste ano, essas cartas não foram enviadas por correio - eram entregues em mão pelos dois amigos, a cada fim-de-semana, como revela Armando Silva Carvalho. Lidas em voz alta, cada um levava a que lhe era destinada para casa, e assim, semana após semana, com cada resposta foi nascendo este livro, que chega no próximo mês às livrarias, pela Caminho. Um livro que procura recuperar "dois géneros caídos em desuso, como a memorialística e a diarística", diz o escritor.
As memórias estão lá quando se recordam da infância, cada um de origens muito diferentes - Armando Silva Carvalho filho de um pequeno comerciante da zona oeste, Maria Velho da Costa de uma família com pretensões aristocráticas. Essa parte do livro dizem ter sido a mais dolorosa, uma vez que implicou "dar voz a um período das [suas] vidas que já estava adormecido", conta o autor.
Há também o lado diarístico, na referência aos jornais que ambos liam e comentavam. É nesse lado que mais assumem as suas posições e, diz Armando Silva Carvalho, as desilusões. E onde não se coíbem de falar abertamente sobre coisas e pessoas que estão agora na cena mediática. "Uma atitude de sinceridade" que revela algum desencanto e promete gerar algumas reacções.

As "Confissões" de José António Saraiva
São cerca de 450 páginas onde o arquitecto e director do "Sol" se permite falar, com alguma intimidade, dos últimos dez anos que passou à frente do semanário "Expresso" (no total foram 20) e do arranque do "Sol", que agora dirige. Em "Confissões - Os Últimos Anos no Expresso, o Nascer do Sol e Conversas à Mesa com Políticos" (Oficina do Livro), José António Saraiva promete algumas revelações porque, como diz, "é uma característica das memórias não se contar propriamente o que já foi tornado público, mas revelar os bastidores e o que foram os acontecimentos em primeira mão". Como dá a entender o subtítulo, aí poderemos encontrar as razões que levaram ao seu afastamento do semanário de Francisco Pinto Balsemão e todo o processo de fundação de um novo jornal, assim como várias conversas que o comentador teve com diversos políticos.
Ao contrário do seu primeiro volume de memórias, que recuava à infância e continha vários episódios passados com o pai, António José Saraiva, este é um livro de acontecimentos mais recentes e que foi iniciado no próprio dia em que o arquitecto deixou o "Expresso". "Congratulo-me de ter começado a escrever logo no próprio dia em que saí. O facto de ter as coisas frescas dá mais autenticidade", diz o autor.
As memórias terminam a 16 de Setembro, dia em que o "Sol" chegou pela primeira vez às bancas.

De que é feito Jorge Silva Melo
Sai em Novembro mas chama-se "Século Passado". As memórias de Jorge Silva Melo (edição Livros Cotovia) reúnem uma selecção de vários dos textos, críticas e crónicas que o actor foi reunindo ao longo da vida, tudo "ligado por uma espécie de conversa ininterrupta", como avança o autor. Nessa construção - 500 páginas entre a compilação e a autobiografia - Jorge Silva Melo vai introduzindo o que descobriu, por onde andou, o que leu, o que viu. Com várias fotografias que acompanham o percurso do director dos Artistas Unidos desde a sua formação é, curiosamente, um livro com pouca coisa de teatro. "É uma autobiografia com as coisas que me fizeram, mais do que com as coisas que fiz", resume Jorge Silva Melo. Essas ficam, talvez, para um outro livro.

O desencanto de Rosado Fernandes
Quando tanto se fala de politicamente correcto, Raul Miguel Rosado Fernandes escreve um livro no sentido contrário: incorrecto, céptico, crítico, irreverente. A Cotovia apresenta-o como um "retrato realista da alma pouco recomendável da política" e é um livro que Rosado Fernandes, "conservador liberal", diz que foi escrito com um desencanto que "já é antigo".
Em "Memórias de Um Rústico Erudito - Viagem à Volta de Lentes, Terras e Políticos" (Livros Cotovia, o professor não se inibe de lançar farpas e críticas em vários sentidos: a jornalistas, advogados, políticos, universidades (que conhece bem por ser professor catedrático e ter sido reitor da Universidade de Lisboa, entre 1979 e 1983). Críticas que são mais abundantes nos capítulos posteriores ao 25 de Abril.
Escrito um pouco por "descargo de consciência", estas memórias, "mesmo um pouco violentas nas críticas", como admite o autor, são também o testemunho de um século inteiro, através da história dos seus antepassados, latifundiários do Alentejo. "É a parte romântica do livro", diz Rosado Fernandes.
Nelas se incluem também as suas "aventuras" em Bruxelas, enquanto deputado do Parlamento Europeu, a sua experiência na Assembleia da República (para a qual foi eleito pelo CDS-PP), a fundação da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), as suas viagens e alguns "episódios pitorescos".
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