José Saramago por extenso

17.11.06 at 10:17 da manhã

O aniversário de José Saramago no "Jornal de Notícias"

Continuo a citar o Jornal de Notícias de hoje: "[...] O breve reencontro com amigos de longa data e com alguns familiares que fizeram questão de o cumprimentar por mais um aniversário emocionaram o escritor, mas o homem não chorou. No final da cerimónia, explicaria porquê "Se vocês fossem menos já teria chorado, mas vocês são tantos que nem sequer chorar posso". Não precisava.
Transparecia-lhe nos olhos a alma e a memória de um rapaz que nasceu numa aldeia à beira-rio, "neto de camponeses e filho de uma mãe analfabeta". Foi notório o carinho com que recebeu presentes e surpresas, entre as quais a versão ainda não corrigida do seu livro "As Pequenas Memórias" em espanhol, tradução a cargo da sua mulher, que foi terminada anteontem.
Após tantas solicitações e cumprimentos, o escritor disse, por fim, que "não esperava". "Entre as surpresas que tenho na minha vida, talvez a principal tenha sido esta". "Só por isto valeu a pena ter chegado aos 84 anos", afirmou, às centenas de pessoas presentes. Muitos já de livro na mão - a Caminho montou uma banca no local - ouviram Saramago despir a pele de cidadão do mundo e regressar à simplicidade e ingenuidade da criança que foi "Se não tivesse nascido aqui não seria a pessoa que sou".
O neto da Josefa e do Jerónimo viu muitas crianças na assistência e foi também a elas que se dirigiu, quase no final da sessão de lançamento do livro em que conta as memórias dos seus primeiros 15 anos. Pediu-lhes para serem responsáveis, como quando dizia à avó que ia dar uma volta. Aos pais, disse "Cuidem das vossas crianças". "Ajudem-nas a aprender, a serem educadas e a respeitar os mais velhos, para que sejam pessoas mais conscientes e capazes de entender o mundo", afirmou.
No dia em que voltou à Azinhaga para "acabar de nascer", o escritor perguntou "Qual seria o meu destino?" Numa zona ainda hoje predominantemente rural, o mais certo seria a "enxada". Não foi. Talvez porque muito cedo saiu da aldeia, aos dois anos, levado pelos pais, "migrantes empurrados pela necessidade". Talvez porque já em criança era mais introspectivo que os outros meninos, mais atento ao mundo que o rodeava. Como chegou onde chegou? "Não sei", respondeu, perante uma plateia esfomeada de explicações, que não se satisfez com tão pouco. "Parece que vou ter de comprar o livro", desabafa um espectador.
A memória deste dia, "Zézito", o Saramago, "a alcunha por que a família era conhecida na aldeia" ou apenas José de Sousa, não deverá esquecer.".