Continuo a citar a edição de 17 de Novembro do Jornal Público: "[...]Um grupo de homens mais velhos conversa calmamente. Um deles tem 82 anos e recorda-se de o escritor, quando era rapaz, passar ali as férias, na casa dos avós. Ontem, para a festa dos seus 84 anos, o nobel da Literatura regressou a essa aldeia de infância, onde nasceu, de onde saiu aos dois anos, mas aonde sempre regressou para junto desses avós, Jerónimo e Josefa, figuras inesquecíveis de uma infância que recorda agora no livro Pequenas Memórias (ver entrevista no suplemento Mil Folhas).
De repente, a agitação aumenta. No fim da rua, aparecem duas camionetas de dois andares. Durante alguns minutos, parece que Saramago não vai conseguir sair. Depois, percebe-se que, a custo, a pessoa no centro de todos os flashes das máquinas fotográficas vai avançando. "Eu não saio daqui, ele há-de passar aqui", diz uma mulher, à porta da junta. Outra aparece junto dela, eufórica: "Já lá fui, já lhe dei um beijinho e fiz-lhe uma festa na cara" - e exemplifica como foi, apertando a cara da amiga entre as mãos.
Saramago está nesse momento no meio do grupo folclórico, que dança à sua volta. E, contra todas as expectativas da mulher que optara por não sair do seu lugar, não se dirige à junta e começa a descer a rua. Todos querem cumprimentá-lo, dizer alguma coisa, há telemóveis erguidos no ar para tentar, mesmo sem conseguir ver nada, captá-lo numa foto. "Olha, ele traz a mulher", comenta uma, referindo-se à espanhola Pilar del Rio. "Claro", responde outra, "ela anda sempre com ele". Pilar e Saramago avançam, de mãos dadas, dedos entrelaçados. Alguém, vindo de trás, toca no ombro dela e diz, em espanhol: "Pilar, és uma mulher de sorte". Ela sorri.
Como uma procissão, a multidão caminha em direcção à antiga fábrica de tomate da Azinhaga, onde vai ser a festa. Há quem se queixe: "A que horas é que vou sair daqui, com sete livros que me deram para eu lhe pedir autógrafos?". Dois homens olham com nostalgia para o edifício da fábrica, encerrado há muitos anos e reaberto agora para o aniversário de Saramago - mais tarde, o presidente da junta irá agradecer a todos os que "se prontificaram a vir lavar à esfregona este edifício que não via uma vassoura desde 1990". "Finalmente a fábrica tem luz", comenta um dos homens, recordando as muitas noites que ali passou a trabalhar. Há quem esteja preocupado com outras coisas: "Isto está em directo para a televisão, não está?".
À entrada do enorme recinto, um grupo de crianças entrega um caderno com desenhos a Saramago. Ele vê com atenção, faz uma festa na cabeça de um dos rapazes e agradece. Há uma mesa comprida, cheia de comida, e travessas de arroz-doce com "Parabéns Saramago" escrito a canela. A marcha em ritmo de procissão ainda se vai prolongar mais um bocado, até o escritor conseguir chegar à zona onde estão as cadeiras e o palco improvisado.
Há música (poemas de Saramago musicados por Lurdes Guerra, Luís Pastor e João Afonso), leitura de excertos das Pequenas Memórias, prendas. Saramago comove-se ao ver a edição em espanhol do seu livro "que a Pilar acabou de traduzir na quarta-feira, às quatro da manhã - como é possível que já esteja aqui?". Quer agradecer a todos os que enchem a velha fábrica. "Não esperava o que está a acontecer. Quando a Pilar me disse que queria fazer aqui os meus anos e o lançamento, disse-lhe: "Não faças isso, já ninguém me conhece lá, o tempo passou, muitos morreram"". Estava enganado. "Se fossem menos, já teria chorado, mas são tantos que nem chorar posso".
"Devia ter cultivado mais esta terra", arrepende-se Saramago, para logo em seguida prometer que o irão ver ali muito mais do que no passado. Confessa que, aos 84 anos, ainda se sente "o neto de Jerónimo e da Josefa", pede que dêem às crianças a liberdade que os avós lhe deram a ele, e despede-se. "Não vos digo adeus, digo-vos até à vista, até à vista".
De repente, a agitação aumenta. No fim da rua, aparecem duas camionetas de dois andares. Durante alguns minutos, parece que Saramago não vai conseguir sair. Depois, percebe-se que, a custo, a pessoa no centro de todos os flashes das máquinas fotográficas vai avançando. "Eu não saio daqui, ele há-de passar aqui", diz uma mulher, à porta da junta. Outra aparece junto dela, eufórica: "Já lá fui, já lhe dei um beijinho e fiz-lhe uma festa na cara" - e exemplifica como foi, apertando a cara da amiga entre as mãos.
Saramago está nesse momento no meio do grupo folclórico, que dança à sua volta. E, contra todas as expectativas da mulher que optara por não sair do seu lugar, não se dirige à junta e começa a descer a rua. Todos querem cumprimentá-lo, dizer alguma coisa, há telemóveis erguidos no ar para tentar, mesmo sem conseguir ver nada, captá-lo numa foto. "Olha, ele traz a mulher", comenta uma, referindo-se à espanhola Pilar del Rio. "Claro", responde outra, "ela anda sempre com ele". Pilar e Saramago avançam, de mãos dadas, dedos entrelaçados. Alguém, vindo de trás, toca no ombro dela e diz, em espanhol: "Pilar, és uma mulher de sorte". Ela sorri.
Como uma procissão, a multidão caminha em direcção à antiga fábrica de tomate da Azinhaga, onde vai ser a festa. Há quem se queixe: "A que horas é que vou sair daqui, com sete livros que me deram para eu lhe pedir autógrafos?". Dois homens olham com nostalgia para o edifício da fábrica, encerrado há muitos anos e reaberto agora para o aniversário de Saramago - mais tarde, o presidente da junta irá agradecer a todos os que "se prontificaram a vir lavar à esfregona este edifício que não via uma vassoura desde 1990". "Finalmente a fábrica tem luz", comenta um dos homens, recordando as muitas noites que ali passou a trabalhar. Há quem esteja preocupado com outras coisas: "Isto está em directo para a televisão, não está?".
À entrada do enorme recinto, um grupo de crianças entrega um caderno com desenhos a Saramago. Ele vê com atenção, faz uma festa na cabeça de um dos rapazes e agradece. Há uma mesa comprida, cheia de comida, e travessas de arroz-doce com "Parabéns Saramago" escrito a canela. A marcha em ritmo de procissão ainda se vai prolongar mais um bocado, até o escritor conseguir chegar à zona onde estão as cadeiras e o palco improvisado.
Há música (poemas de Saramago musicados por Lurdes Guerra, Luís Pastor e João Afonso), leitura de excertos das Pequenas Memórias, prendas. Saramago comove-se ao ver a edição em espanhol do seu livro "que a Pilar acabou de traduzir na quarta-feira, às quatro da manhã - como é possível que já esteja aqui?". Quer agradecer a todos os que enchem a velha fábrica. "Não esperava o que está a acontecer. Quando a Pilar me disse que queria fazer aqui os meus anos e o lançamento, disse-lhe: "Não faças isso, já ninguém me conhece lá, o tempo passou, muitos morreram"". Estava enganado. "Se fossem menos, já teria chorado, mas são tantos que nem chorar posso".
"Devia ter cultivado mais esta terra", arrepende-se Saramago, para logo em seguida prometer que o irão ver ali muito mais do que no passado. Confessa que, aos 84 anos, ainda se sente "o neto de Jerónimo e da Josefa", pede que dêem às crianças a liberdade que os avós lhe deram a ele, e despede-se. "Não vos digo adeus, digo-vos até à vista, até à vista".